Primeiro Ano Morando Fora do Brasil: O Que Ninguém Conta Sobre a Adaptação

Mudar de país parece um sonho, mas ninguém fala sobre os desafios escondidos no dia a dia.

Eu que o diga. Conheci meu marido em 2022, num aplicativo de relacionamento, e em menos de dois anos lá estava eu, de vestido branco, entrando na igreja. Entre a paixão inicial, a vontade de ficar junto e a correria dos preparativos, eu mal percebi o que tudo aquilo significava. Foi só depois que a festa acabou que a ficha caiu: casar com meu marido também significava me despedir de tudo o que eu conhecia e embarcar, de vez, para uma nova vida na Guatemala. 

E aí começou o verdadeiro desafio. O que parecia apenas uma história de amor virou também uma mudança radical de país, rotina e referências. Este primeiro ano foi intenso — cheio de descobertas, mas também de solidão, aprendizados e adaptações que ninguém me contou que fariam parte do pacote. É sobre isso que quero compartilhar aqui: a experiência concreta de viver fora do Brasil, com seus tropeços e suas belezas, e como isso foi me transformando pelo caminho.

O Peso Invisível do Primeiro Ano

Nos primeiros meses morando no exterior, ainda existe aquela sensação de estar “experimentando” a vida nova. Você ainda está descobrindo onde fica cada coisa, conhecendo a cidade, se adaptando às diferenças culturais. Mas chega um momento em que você percebe: isso não é temporário.

Aquela rotina, aquelas ruas, aqueles rostos — agora são a sua vida. E junto com essa realização vem o luto pela vida anterior. Tudo o que eu conhecia tinha realmente ficado para trás, e no lugar surgiu um vazio que, pouco a pouco, a memória foi preenchendo com comparações e idealizações.

A saudade que edita o passado

É neste momento que a mente começa a pregar suas armadilhas. Ela não recorda o passado como ele realmente foi. Apaga os defeitos, guarda apenas os momentos bons e cria uma versão editada, quase perfeita, da vida que ficou para trás.

Eu caía nessa cilada o tempo todo. Esquecia das dificuldades que enfrentava no Brasil e ficava apenas com o lado romântico da memória. Pensava: “se eu estivesse lá, estaria reunida com toda a minha família” — mas esquecia que, quando morava perto, mal conseguíamos nos ver. Entre trabalho, trânsito e correria, aqueles almoços de domingo e conversas longas que eu tanto idealizava aqui eram, na verdade, bem mais raros do que minha memória queria admitir.

Esse é só um exemplo de como a saudade cria uma vida fictícia, mais bonita do que a realidade que existiu de fato. Enquanto eu me agarrava a essas comparações irreais, deixava de enxergar o que estava bem diante de mim — e, pior, alimentava uma vontade constante de desistir e voltar.

O problema é que essa comparação nunca é justa: de um lado, coloco a vida real, com seus desafios cotidianos; do outro, uma memória romantizada, podada dos seus defeitos. E, nessa disputa, o presente sempre parece perder.

O alívio de viver o presente como ele é

Depois de tanto tempo alimentando comparações irreais, percebi algo óbvio, mas transformador: a vida real nunca vai ser igual ao cenário da nossa imaginação — e ainda bem. A imaginação pinta quadros bonitos, mas sempre incompletos; a realidade, por mais dura que seja, é concreta, viva e cheia de possibilidades que só se revelam quando a gente se permite vivê-las.

Foi nesse ponto que decidi parar de idealizar e, aos poucos, comecei a abraçar a vida que estava diante de mim. Criar uma nova rotina, me abrir para experiências diferentes e, pouco a pouco, construir uma vida autêntica na Guatemala deixou de ser um peso e começou a ser um florescer.

E se você está passando por algo parecido, quero te lembrar de uma coisa importante: essa fase passa. No começo parece impossível, mas as comparações com o passado vão perdendo força à medida que você cria memórias genuínas no novo lugar. O luto pela vida anterior é real e precisa ser vivido, mas não é permanente. Com o tempo, você descobre que é possível carregar o melhor do que ficou sem abrir mão da beleza do que está sendo construído — e é justamente nesse processo que surgem os próximos desafios práticos, como aprender a lidar com a língua do dia a dia.

Falar é mais difícil do que parece

No Brasil a gente cresce achando que “se vira” em espanhol. Na prática, não é bem assim. Eu pensava frases enormes e, quando abria a boca, só saía um terço do que eu queria dizer. Essa dificuldade não atrapalhava apenas questões práticas, mas pesava principalmente na hora de criar laços.

No começo, tentei me apoiar apenas nos meus amigos do Brasil. Queria fazer chamadas de vídeo, conversar como antes, manter tudo igual. Mas logo veio a frustração: havia diferença de fuso horário, compromissos, e era impossível que estivessem sempre disponíveis. Enquanto eu me esforçava para manter vínculos antigos, fechava a porta para construir novos.

Aqui, eu evitava situações sociais porque tinha medo de falar, de não ser entendida, de passar vergonha. Só que esse medo só atrasava meu processo de integração cultural. Quando finalmente comecei a me arriscar — mesmo errando muito — percebi algo importante: as pessoas valorizam o esforço de quem tenta falar sua língua. Me expor, ainda que imperfeitamente, foi o único caminho para transformar a barreira do idioma em uma ponte para novas amizades.

Mas, ao mesmo tempo em que eu começava a dar meus primeiros passos para me integrar, havia outro fator que me puxava para trás — a forma como eu trabalhava.

A liberdade que também prende

Manter meu trabalho online não foi exatamente uma escolha — foi necessidade. Brasileiros podem entrar na Guatemala sem visto, mas só ficam 90 dias. Para quem casa com um guatemalteco, como eu, há uma pegadinha: só depois de um ano de casamento é possível dar entrada na residência permanente.

Até lá, eu vivia numa espécie de limbo legal. A cada três meses, precisava deixar o país para renovar os 90 dias — e aqui vem o detalhe que poucos sabem: como a Guatemala faz parte do acordo G4, sair por terra não funciona. Era obrigatório pegar um avião, o que tornava cada renovação cara e burocrática.

Nesse cenário, trabalhar remotamente para clientes brasileiros foi minha tábua de salvação. No começo, a liberdade de horários parecia ideal, mas logo descobri que essa mesma flexibilidade estava me isolando. As diferenças de fuso me deixavam refém da agenda brasileira — quando meus clientes estavam disponíveis, eu estava no meio das minhas tarefas locais, e acabava abrindo mão da vida aqui. O resultado era sempre o mesmo: fisicamente eu estava na Guatemala, mas mentalmente ainda vivia no Brasil.

Foi só quando cheguei perto de um esgotamento que entendi que se eu queria realmente viver aqui, precisava sair da bolha da tela. Comecei a buscar contato humano de verdade. Entrei em aulas de boxe e pilates, e até o salão de beleza virou espaço de socialização. Pode parecer pequeno, mas foi ali — fazendo as unhas e conversando — que conheci mulheres locais e, pela primeira vez, comecei a receber convites para eventos. Desses encontros, nasceram amizades e até oportunidades de trabalho.

A lição? O trabalho remoto pode ser uma ferramenta poderosa, mas também vira uma armadilha quando se torna desculpa para não viver o lugar onde você está. E viver de verdade significa se abrir para a cultura, os costumes e até os choques do dia a dia. Foi aí que percebi que o desafio não era só sair da frente do computador, mas aprender a me integrar em um país que tinha uma lógica completamente diferente da que eu conhecia.

Adaptação Cultural no Dia a Dia

Mesmo com o apoio do meu marido e da família dele, senti a famosa “síndrome do forasteiro”: aquela sensação de que, por mais lindos que sejam os lugares, eles nunca têm o mesmo significado emocional dos que deixei no Brasil.

A Guatemala é um país pequeno em território, mas com uma riqueza cultural imensa. São cerca de 18 milhões de habitantes e mais de 40% da população tem origem indígena, principalmente descendente dos maias. Essa mistura de herança espanhola e tradições maias aparece em tudo: nas festas, nos costumes, na língua e, claro, na comida. O milho está em absolutamente tudo, das tortilhas que acompanham cada refeição até bebidas típicas como o atol.

No cotidiano, a diferença também era clara. A forma de se relacionar não era a mesma: minhas referências culturais não faziam sentido para os guatemaltecos, e o que parecia óbvio para mim precisava ser explicado. Até nas coisas simples eu sentia a diferença, por exemplo, ver um cachorro “caramelo” na rua já não tinha graça, porque não havia ninguém para rir comigo da piada que todo brasileiro entende.

Mas é curioso como, mesmo nesses cenários, o Brasil insiste em aparecer. Conheci uma brasileira que vive aqui há 11 anos e vende pão de queijo — foi como tropeçar num pedaço de casa no meio da rua. E até no edifício onde moro, sempre aparecem brasileiros. Escutar o idioma no elevador ou no corredor é, de alguma forma, um consolo. Um lembrete de que, mesmo longe, minhas raízes continuam me acompanhando.

Com o tempo, fui entendendo que não precisava escolher entre um lugar e outro. O Brasil continua sendo parte de mim, mas a Guatemala também pode ser. Quando deixei de me sentir dividida, consegui enxergar as diferenças não como ameaça, mas como riqueza.

A Culpa do Imigrante e o Peso da Distância

Só que, mesmo quando a gente aprende a abraçar as duas culturas, existe uma sensação silenciosa que insiste em aparecer: a culpa de não estar presente em certos momentos.

No meu caso, ela apareceu de várias formas. Não pude estar presente em datas importantes — formaturas, aniversários, momentos especiais que aconteceram sem mim. As viagens ao Brasil também não são simples: são longas, caras e acontecem com pouca frequência. Isso significa quase um ano sem ver minha mãe, e em um ano longe muita coisa muda.

Mas talvez a maior dor tenha sido espiritual. Sou católica e, no Brasil, participava do rito maronita — uma das tradições orientais da Igreja, que se tornou parte do meu coração. Aqui, essa liturgia simplesmente não existe, e isso me dá um pesar profundo: não poder viver a mesma experiência de fé, não encontrar esse rito que tanto me alimentava espiritualmente.

E foi nesse ponto que precisei ressignificar a culpa. Perceber que ela só diminui quando o propósito fica claro: eu não estou na Guatemala por acaso, mas porque aqui está o meu marido — e o meu lugar é ao lado dele. No meu senso de hierarquia, esse papel tem muito mais valor do que qualquer ausência. Acompanhar meu marido, construir com ele a nossa vida, é superior. Acredito que até mesmo diante de Deus, essa fidelidade ao meu chamado de esposa pesa mais do que qualquer evento perdido.

Como disse Viktor Frankl, “quem tem um porquê, enfrenta qualquer como”. E quando o meu “porquê” ficou claro, até a saudade e a culpa começaram a ter um sentido diferente.

3 Conselhos Essenciais Para Quem Quer Morar Fora

Depois de atravessar meu primeiro ano na Guatemala, percebi que alguns aprendizados se tornaram verdadeiras chaves de sobrevivência e crescimento. Quero compartilhar três deles que, para mim, fizeram toda a diferença:

1. Não Tente Viver Duas Vidas Simultaneamente

Manter vínculos com o Brasil é essencial, mas tentar viver duas rotinas ao mesmo tempo só vai te desgastar. Eu mesma precisei aprender que não dá para estar inteira nos dois lugares: uma vida precisa ficar para trás para que a nova possa, de fato, começar. Se você está nesse processo, permita-se soltar o passado para criar raízes de verdade no presente.

2. Não Espere Se Sentir 100% Pronto

A gente sempre acha que vai se integrar quando dominar o idioma, quando se sentir seguro, quando tiver tudo sob controle. Só que a adaptação só acontece quando você se permite viver imperfeito. Eu, por exemplo, já confundi “alquilar” (alugar) com “aniquilar” numa conversa — e hoje rio dessa e de outras gafes que viraram memórias queridas. Se você está começando, arrisque-se mesmo com erros. É justamente aí que a vida acontece.

3. Tenha Reserva de Paciência (e Também Financeira)

O início costuma ser cheio de frustrações: burocracia, solidão, saudade. Ter paciência com o processo é tão importante quanto ter recursos para atravessar os primeiros meses sem desespero. Lembre-se: a adaptação é lenta, exige tempo, esforço ativo e também leveza.

No fim das contas, esses três conselhos não valem só para quem pensa em morar fora. Eles resumem o que mais aprendi sobre mim nesse primeiro ano: que adaptação não é apenas sobre documentos, idioma ou trabalho remoto — é, acima de tudo, um exercício de descobrir quem você é quando o mundo ao redor muda.

O Que Essa Experiência Me Ensinou Sobre Mim

Olhando para trás, percebo que esse processo de morar fora me transformou profundamente. Me tornei mais resiliente, mais aberta a mudanças e, curiosamente, mais grata pelas pequenas coisas. Aprendi a valorizar conversas simples e a entender que crescimento quase sempre vem embalado de desafios.

Amadureci de uma forma que talvez não teria acontecido se eu tivesse permanecido na minha zona de conforto. Descobri forças que não sabia que tinha e aprendi, na prática, que não dá para controlar todas as situações — mas sempre é possível escolher como reagir a elas. Coragem, percebi, não é ausência de medo, mas agir apesar dele.

E talvez essa seja uma reflexão que vale para qualquer grande mudança na vida: seja mudar de país, de carreira ou de relacionamento. Quando nos permitimos sair do familiar, descobrimos versões de nós mesmos que nem sabíamos que existiam.

Por Que Decidi Compartilhar Minha História

Escrever este post foi, para mim, quase como abrir uma nova porta. Depois de um ano cheio de mudanças, percebi que não é só a vida em outro país que pede coragem para recomeçar — às vezes são também pequenos gestos, como voltar a escrever.

O blog nasceu desse desejo: resgatar algo que me acompanhava na infância, quando eu registrava minhas histórias em cadernos, e transformar em espaço para dividir o que vivo agora. Um recomeço dentro do recomeço.

Seja qual for o cenário — outro país, um casamento, um projeto pessoal — todo início carrega suas dificuldades e sua beleza. E é isso que quero partilhar aqui: não uma vida perfeita, mas uma vida real.

Obrigada por me acompanhar até aqui! Agora quero ouvir você: que tema você gostaria de ver nos próximos posts?

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *